O campeonato brasileiro não tinha ainda baixado as cortinas e o marketing do Corinthians já soltava uma camiseta “rumo ao bi”, referindo-se à Libertadores 2015. Não vamos nem esmiuçar o fato de o time ainda não estar na Libertadores, mas na pré-Libertadores, aquele mesmo torneio que para o corintiano rima com Tolima.
Relatos indicam que as camisetas estavam sendo vendidas na área vip da Arena durante o último jogo do campeonato; o que deixa a iniciativa ainda mais triste, mas estranhamente adequada porque, primeiro, é lá que estão as pessoas com dinheiro para comprar essa camiseta infame, e segundo, é lá que estão as pessoas que topam receber uma orientação sobre como torcer e quais campeonatos valorizar.
Do lado de fora, uma faixa insiste em dar a dica. Nela a gente lê “o time do povo”. E embora há algum tempo a diretoria teime em não levar isso em consideração, algumas características são duras de morrer e, mesmo esfaqueadas e sangrando, continuam a gritar e espernear.
Bem perto da faixa estão as pessoas que não precisam ser guiadas sobre como torcer, ou o que esperar do time, os quais campeonatos valorizar, ou sobre como manifestar a paixão. Bem perto da faixa estão as pessoas que deveriam conduzir a comunicação do clube. Não necessariamente sendo contratadas – embora a ideia não seja de todo ruim – mas com conselhos, dicas e inspiração.
Se vivemos em um mundo que ainda não sabe ou não pode se desvencilhar completamente das mãos opressoras do mercado e da ganância que manda vender e lucrar sempre e a todo o instante, que pelo menos tivéssemos a sabedoria de deixar que o que nos é autêntico e espontâneo impactasse o tal do marketing, e não o contrário, que é criar um departamento baseado em convencer e distorcer em nome do lucro e, com slogans bem sacadinhos, tentar impactar sentimentos, comportamentos e sensações.
Claro que conquistar o bi da Libertadores seria lindo, mas no instante em que um sonho é empacotado e vendido perde-se completamente o sentimento real, e sem esse sentimento, o mesmo que fez a torcida crescer em décadas sem título, o mesmo que invadiu o Maracanã e depois Guarulhos e o Japão, não existe Corinthians.
Ou podemos imaginar um mundo no qual a torcida é convidada através de uma campanha de marketing, com muitas camisetas e bonés, a invadir o Maracanã? Que beleza haveria nisso? O belo só ocorre a partir de movimentos de espontaneidade e inspiração, e o marketing só existe a partir de movimentos premeditados e planejados. São, portanto, mundos distintos. Sem contar a enorme zica que é decretar um “rumo ao bi” para um campeonato que nem começou – uma outra dessas sabedorias que as arquibancadas ensinam e que têm a ver com humildade.
Talvez fosse inteligente que a diretoria corintiana saísse da área vip e descesse à arquibancada para aprender uma coisinha ou outra sobre paixão e sentimento, e sobre a imoralidade de tentar transformá-los em produto a todo o instante.
Mas, claro, sempre existe a possibilidade de se insistir em deixar o “deus mercado” invadir todos os âmbitos de nossa alma, dizer o que temos que sentir, e quando temos que sentir, e sair colhendo o lucro. Seguindo assim, o Corinthians não vai morrer, obviamente, mas deixará de ser o time do povo para se transformar no time da área vip. Eu sinceramente espero não estar mais aqui para ver.
Nos jogos da Copa em que eu fui, foi triste ouvir “Senta !” , quando eu e mais meia dúzia tentávamos empurrar aquele amontoado de jogadores de amarelo.
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Time do povo ? do povo que não vai ao estádio e sim aquele que dá audiência para a tv globo. O ppv custa 100 reais mês. Isso vezes 4, da para assistir os jogos na arena, com a vantagem que tem o sofá, cerveja gelada, pipoca e banheiro perto.
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Cai no seu blog por conta do twitter do flavio gomes e curti bastante sua visão de mundo, parabéns pelos textos. Mas ao ver que vc era corinthiana – e corinthiana com o estado de espírito próprio do Corinthians – me apaixonei rsrs.
Parabéns mais uma vez.
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